Infelizmente, Agentes Públicos, às vezes, praticam atos administrativos discricionários para, usando como justificativa “o mérito do ato administrativo”, produzir atos ilegais, encobrindo-os com o manto da “oportunidade e conveniência”.
No âmbito das entidades administrativas autônomas, como são as universidades públicas, por exemplo, é possível encontrar situações deste tipo.
Em recente sessão de julgamento, em processo patrocinado por SANTOS DE BARROS ADVOCACIA, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reformou sentença, julgando procedente o pedido do autor para tomar posse no cargo de professor de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia no regime de 20 horas semanais, permitindo-lhe, assim, cumular este cargo com o emprego público que já ocupa em empresa estatal.
Com efeito, o edital do concurso público realizado pelo Autor previa que a jornada de trabalho dos cargos de seria de 40 horas semanais, com dedicação exclusiva, ou de 20 horas semanais, “conforme disposto no edital e de acordo com os cursos ministrados e com as necessidades da instituição”.
Ocorre que, apesar da previsão do edital de abertura, nenhum outro edital posterior foi publicado para discriminar quais vagas seriam no regime de dedicação exclusiva e quais vagas seriam no regime de 20 horas.
Após todo o transcurso do concurso, que durou mais de um ano, o Instituto Federal, apenas quando da nomeação dos aprovados, decidiu nomear todos eles, exclusivamente, no regime de 40 horas semanais, com dedicação exclusiva, sem que tenha sido ofertada uma única vaga no regime de 20 horas semanais.
O Autor da ação, antes do ajuizamento, apresentou requerimento administrativo pleiteando lhe fosse permitida posse no regime de 20hs semanais, o que foi negado por ato do Reitor do Instituto, sob o fundamento do “interesse público” e “discricionariedade da Administração” em estabelecer a jornada de trabalho dos seus professores.
Sucede que, todos os motivos elencados no ato da Administração que negou a posse no regime de 20Hs mostraram-se falsos. A Administração se utilizou de resposta padrão (“interesse público” e “discricionariedade”), apresentando motivos que, conforme a prova dos autos, não eram verdadeiros.
O fato de a Administração possuir o legítimo direito de determinar a jornada de trabalho de seus servidores não lhe permite assim proceder com base em falsos motivos que, utilizando-se de “expressões genéricas”, servem para justificar qualquer postura administrativa.
O voto condutor do acórdão bem elucidou a questão:
… deve a Administração publicar editais com regras claras e objetivas para a participação, classificação e aprovação dos candidatos, bem como de todas as fases dele decorrentes, cabendo ao Poder Judiciário, por sua vez, quando provocado, avaliar se os critérios adotados observaram os princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia, dentre outros que devem também reger o teor do edital.
…
No caso, é relevante destacar que o apelado, em sua defesa técnica (contestação) não cuidou de esclarecer em que consistiria a previsão de dois regimes de trabalho no edital do concurso e se para o cargo para o qual o apelante foi aprovado haveria previsão do regime de 20 horas semanais, limitando-se a discorrer sobre a impossibilidade de acumulação de cargos com dedicação
exclusiva.
…
Dessa forma, do modo como fora estabelecido, forçoso concluir que o edital gerou no candidato que se inscreveu no certame regido pelo Edital nº 01, de 30/08/2016 a justa expectativa de que iria poder escolher o regime de trabalho, haja vista estar expressamente consignado que “o Regime de Trabalho será, de acordo com o art. 20 da Lei nº 12.772/2012, de 40 (quarenta) horas semanais, em tempo integral, com Dedicação Exclusiva, em dois turnos diários completos, ou de 20 (vinte) horas, em
um turno diário completo. (…)”.
…
Cabe aqui uma pausa para apresentar o seguinte questionamento: qual a razão de o edital prever o regime de trabalho de 20 horas semanais se não seria possível o enquadramento nesta jornada? É certo que em matéria de concursos públicos, a Administração deve se guiar, dentre outros, pelos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé, entretanto não se pode opor à supremacia do interesse público um interesse meramente individual, sob pena de inviabilizar as atividades de interesse público desempenhadas pela Administração. No entanto, também é imprescindível registrar que o Administrador não pode nunca deixar de considerar que “o edital é a lei interna do concurso público, que vincula não apenas os candidatos, mas também a própria Administração, e estabelece regras dirigidas à observância do princípio da igualdade, devendo ambas as partes observar suas disposições” (AgInt no RMS 34.254/GO, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 06/06/2017, DJe 13/06/2017). Aliás, cabe anotar que, a partir das parcas justificativas apresentadas pelo apelado, poder-se-ia até chegar à conclusão, talvez precipitada e equivocada, de que a atribuição do regime de trabalho de 20 horas semanais, no âmbito do poder discricionário da Administração, poderia ser direcionada não para o cargo, mas para o seu ocupante, adotando um grau de subjetividade conflitante com os princípios da legalidade e moralidade, e, inequivocamente, em afronta ao princípio da impessoalidade.
…
Conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, “o Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade” (RE 837311, Relator: Luiz Fux, Tribunal Pleno, Julgado em 09/12/2015, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-072 Divulg 15-04-2016 Public 18-04-2016).
Em suma, atos administrativos discricionários podem ter sua ilegalidade decretada pelo Poder Judiciário, quando identificada a falsidade dos motivos determinantes que levaram à sua prática.
[/dt_fancy_image]
Bacana! Infelizmente, essa prática da Administração de justificar seus atos com respostas padrão é recorrente em diversas áreas. Excelente atuação do escritório. Parabéns aos envolvidos!