TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO MANTÉM SERVIDOR NA POSSE DE IMÓVEL FUNCIONAL DA UNIÃO
Em atuação pro bono realizada por SANTOS DE BARROS ADVOCACIA E CONSULTORIA JURÍDICA, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região suspendeu decisão da 7.ª Vara Federal da SJDF que havia determinado a reintegração de posse de imóvel funcional da União
A União, com base na inadimplência quanto ao pagamento dos encargos relativos ao uso do imóvel, ajuizou ação de reintegração de posse contra servidor público federal que, há mais de 40 anos, reside em imóvel funcional juntamente com seu filho, portador de paralisia cerebral e de cegueira total.
O juízo de primeiro grau deferiu a liminar requerida pela União para determinar a reintegração de posse com base na inadimplência do servidor e não levou em conta o fato de a inadimplência do servidor decorrer de ter ele sido ilegalmente afastado do serviço público em 1990, vindo a ser reintegrado apenas em 2009 (com base na anistia conferida pela Lei 8.878/94), ficando, portanto, sem emprego, por mais de 19 anos.
Também as condições familiares do servidor, portador de cardiopatia grave e neoplasia maligna e sendo pai de um portador de necessidades especiais, foram desconsideradas pelo juízo de primeiro grau que entendeu: “a assistência material da União ao réu e ao seu filho inválido deve ocorrer na forma dos programas assistenciais em vigor, e não pelo desvirtuamento da destinação dos imóveis funcionais e do descumprimento das normas que regem a matéria.”
Interposto agravo de instrumento, em sede de liminar recursal, o Relator Convocado Márcio Barbosa Maia, atentando para o fato de que a demanda não pode ser resolvida sob o exclusivo prisma da inadimplência quanto aos encargos relativos à ocupação do imóvel, asseverou:
Não há como deixar de soar as fortes razões do agravo de instrumento:
(…)
o réu foi demitido em 19 de julho de 1990, no governo Collor, e ficou desempregado até 2009 ao ser reintegrado ao serviço público com base na Lei nº 8.878/94, que concedeu anistia aos servidores injustamente demitidos na época em questão.
Nesse período não pôde o réu trabalhar, porque tinha que cuidar em tempo integral de sua mãe que era amputada das duas pernas (anexo); da sua esposa, que tinha fibrose pulmonar e descompensação do quadro respiratório (DPOC), necessitando de ligação a tubos de oxigênio diuturnamente durante anos, vindo ao final falecer (docs. em anexo); do seu filho mais velho, que é portador de paralisia cerebral, além de cego dos dois olhos em virtude de auto-agressão (anexo); e de si próprio, que, além de hipertensão, teve câncer de próstata com metástase para a bexiga e realizou uma cirurgia de angioplastia, na qual foram colocados três stents em seu coração (anexo).
Tal quadro de desemprego e elevados gastos com a saúde de sua família exigiu que o réu buscasse doações de parentes, amigos e até da igreja (conforme declaração do padre Adriano Scarparo da Paróquia do Santíssimo Sacramento, em anexo), além de empréstimos a juros extorsivos de agiotas, dada a dificuldade que sua situação financeira e empregatícia impunha para conseguir crédito em instituições do sistema financeiro. Isso, por óbvio, impossibilitou que o réu conseguisse realizar os pagamentos das taxas condominiais e de uso do imóvel em dia.
(…)
Se, pois, conforme consta dos autos, a própria Administração “retardou” providências no sentido de exigir a desocupação do imóvel, levando em conta, essencialmente, a peculiar situação do réu, há espaço para que a Turma se pronuncie sobre a intrincada questão, que, mesmo em exame preliminar, prenuncia debates que vão além da extensão e profundidade próprias às causas possessórias.
…
Ante o exposto, atento ao caráter dúplice das causas possessórias, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal para suspender, cautelarmente, a ordem de desocupação até o julgamento do agravo pela Turma.
A Procuradoria Regional da República da 1.ª Região, por meio de parecer da lavra do excelentíssimo Procurador Regional Ronaldo Meira de Vasconcellos Albo, manifestou-se no seguinte sentido:
…ao se dar provimento ao que postulado pela União na presente ação de reintegração de posse, temos que poderá ferir cabalmente os vários princípios e direitos fundamentais.
…
Destarte, tem-se que tal direito fundamental está correndo risco iminente, posto que, com os vencimentos percebidos pelo ora agravante, é impossível perceber uma outra moradia similar do que hoje ocupa o agravante e a seu filho que é acometido de doença totalmente incapacitante, bem como ao mesmo tempo promover o seu sustento familiar.
A excepcionalidade do presente caso é gritante, eis que não é um simples caso de mudar de residência, e sim, um caso de se disponibilizar um aparato total a uma pessoa idosa (que teve câncer de realizou uma angioplastia no qual foram colocados três stents em seu coração) incapaz (portador de paralisia cerebral de auto-aqressão).
…
In casu, fica evidenciado o perigo que a r. decisão ora debatida trouxe à saúde da parte agravante e de seu dependente. Despejar um senhor de 65 (sessenta e cinco) anos de idade e um incapaz de 41 (quarenta e um) anos de idade (ainda com deficiência visual/cego e portador de paralisia cerebral) do lugar onde residem por mais de 30 (trinta anos) é praticamente, data maxima venia, arrancar-lhes a pouca saúde que ainda a têm.
Pensemos no transtorno que tal medida vai trazer à vida dessas pessoas, isso porque, para quem é detentor de deficiência mental e visual é de suma importância a Intimidade com o lar e a proximidade que já foi alcançada com mais de 30 (trinta) anos de convívio naquele espaço, além de que, não se pode desprezar as inúmeras adaptações já realizadas pelo seu cuidador. facilitando ou tornando possíveis as atividades básicas dependente incapaz.
…
O que também salta aos olhos é a gritante boa fé da parte ré em, apesar de todas as dificuldades sofridas no decorrer de sua vida, sempre buscar uma solução para todos os problemas vividos, não quedando-se inerte para os desafios cotidianos.
…
Posto isso, somos pelo provimento do presente agravo, devendo ser protegido os princípios e direitos fundamentais constitucionais que são bens infinitamente maiores e mais importantes que os demais direitos buscados pela União, no caso em tela.
Trata-se, portanto, de importante decisão que evidencia a necessidade de atentar-se para outras perspectivas em uma ação de reintegração de posse e não apenas ao aspecto da inadimplência quando o que está em debate é, na verdade, a proteção de direitos fundamentais (saúde, dignidade da pessoa humana, saúde).